Carlos Lopes fala sobre batalha com cancro: “O meu céu da boca foi todo à vida”
Aos 77 anos, o campeão olímpico falou abertamente, pela primeira vez, sobre o duplo golpe que abalou a família. Pouco depois de descobrir que tinha cancro da boca, a mulher foi diagnosticada com um cancro da mama.

Carlos Lopes é um nome marcante na história do atletismo português de longa distância. Medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, o antigo atleta habituou o país a vê-lo como símbolo de força, resistência e superação. Mas, longe das pistas e dos aplausos, o campeão tem travado uma corrida muito mais difícil: a luta contra o cancro.
No passado dia 12 de julho, o ex-atleta abriu o coração no programa Alta Definição, da SIC, numa entrevista comovente onde partilhou, pela primeira vez, os detalhes mais duros da doença que o obrigou a encarar aquele que foi o maior desafio da sua vida. “Já passei por tanta coisa… Nem da saúde tenho medo”, disse, mostrando que foi com a sua habitual coragem que enfrentou o diagnóstico de cancro na boca. “Eu não complico a vida. Nós é que complicamos. Se enfrentarmos com a real necessidade de sobreviver, tudo se cumpre”, confessou. O campeão revelou ainda que, apesar da gravidade da doença, não se deixou consumir pelo medo: “Se isto está aqui, é para tirar, acabou. Para mim, a vida é uma festa”.
A batalha de Carlos contra o cancro ficou marcada por tratamentos duros, que incluíram sessões de radioterapia intensivas, com efeitos bastante negativos para o ex-desportista. “Disseram que podia ter de comer por um tubo, e foi o que aconteceu. Com muito custo, mas ia comendo. As idas ao hospital eram um sacrifício”, confessou.
Mas, se tudo parecia mau, Carlos não estava preparado para o golpe que o destino ainda lhe tinha reservado. Seis meses depois de receber o diagnóstico, a mulher, Teresa, foi também surpreendida por um cancro da mama. “Para mim, o cancro não assustou. Nada. Mas assustou muito a minha mulher. Meio ano depois, foi ela que sofreu… Teve de tirar um peito. Sofreu muito, mesmo”, contou, visivelmente emocionado.
Hoje, apesar de ultrapassada a fase crítica da doença, Carlos continua a lidar com as sequelas deste período conturbado da sua vida. “Não é aquela fala fluente. Às vezes tenho dificuldade em dobrar a língua, porque o céu da boca foi todo à vida, ainda não tenho dentes numa das partes de cima”, explicou. Mas, mesmo perante estas limitações, o antigo campeão mantém o espírito positivo que sempre o caracterizou. “São coisas que uma pessoa tem de saber gerir com paciência”, disse, para concluir.
Medo de ser esquecido
Apesar do seu legado incontestável, quando descobriu que estava doente, houve outro medo que lhe passou pela cabeça: o de ser esquecido. A confissão foi tornada pública pelo escritor Luís Osório que, num dos seus Postais do Dia para as redes sociais, falou da solidão e tristeza do antigo atleta. “Sei que estás doente, que te é difícil sair de casa, que de quando em vez ficas triste pelo esquecimento do país, de alguns amigos que julgavas serem amigos, coisas que antes não te passavam pela cabeça”, começou por escrever, comparando-o de seguida com outros grandes nomes do desporto nacional. “Como tu, talvez Eusébio e Cristiano Ronaldo”, escreveu, deixando-lhe um tributo emotivo: “Escrevo-te este postal para te dizer que não te esqueço. E, como eu, milhares de portugueses, talvez até milhões que não se esquecem. O que fizeste é esmagador. O teu nome confunde-se com uma parte do país que somos”.